Encontro com Escritores
José Roberto Walker
→ Outros Olhares | mediado por Ana Demarchi Barel
Encontro com Escritores: Outros Olhares | mediado por Ana Demarchi Barel
José Roberto Walker
Publicado em 01/03/2021
Disponível em youtube.com/emaklabin
Imagem: Arquivo pessoal
Em sua programação de 2020, a Casa Museu Ema Klabin realizou uma série de atividades on-line que tinham como título a tag #CasaMuseuEmCasa, entre elas, o programa Encontro com Escritores.
Esta programação teve como objetivo estimular a leitura e proporcionar, a partir da literatura, o contato do público com temas contemporâneos que registram múltiplas perspectivas e narrativas sobre a realidade brasileira. Nos encontros, pode-se entrar em contato com experiências e relatos vindos de diferentes autores e lugares do Brasil, mobilizando formas de narrar, observar e produzir textos literários.
Grandes textos da literatura brasileira se eternizaram ao cantarem nosso patrimônio compartilhado: caminhos conhecidos de todos, nossos heróis, temas familiares. Grandes obras literárias também se eternizaram ao trazerem ao leitor personagens anônimos, cidades perdidas nos grotões de nosso vasto território, falares múltiplos, paisagens ignoradas, conflitos negados, dilemas universais e levando para as páginas de suas obras um desenho de Brasil muitas vezes surpreendente. Grandes livros revelaram outras representações do eu, e os caminhos dos que vão pelas margens da sociedade. Nesses encontros, trouxemos pedaços desse Brasil, outros Brasis, registrados por outros olhares, outras narrativas.
Com quatro encontros, a atividade contou com a participação dos (as) escritores(as) Betty Milan, José Roberto Walker, Milton Hatoum e Fabiana Vanz Dias. Nas três primeiras atividades, a mediação foi realizada pela pesquisadora e professora Ana Beatriz Demarchi Barel; já no último, pela artista e pesquisadora Paloma Durante.
Encontro com Escritores: Outros olhares foi uma ação gratuita e está disponível em nosso canal oficial do YouTube. Para assistir clique no link: https://www.youtube.com/watch?v=BnS4Xp5xuA0
NEVE NA MANHÃ DE SÃO PAULO
Publicado em 2017, Neve na manhã de São Paulo é um romance que desafia os limites entre a história e a literatura. Escrito por José Roberto Walker, o livro retoma o ambiente da cidade de São Paulo nos anos próximos à Semana de Arte Moderna de 1922, dando destaque para um ambiente cultural que efervescia a futura metrópole. Nesse cenário construído a partir de vasta pesquisa documental, nomes como Menotti del Picchia e Monteiro Lobato são referências constantes, o destaque, contudo, fica para Oswald de Andrade, ainda em seus anos de juventude. No parágrafo abaixo, leia um trecho para conhecer mais sobre a obra:
Lembro dos cheiros. Lembro, sobretudo do cheiro da cidade. Ela tinha um perfume próprio, que misturava a fumaça que saía continuamente das chaminés das fábricas com o gás que escapava dos lampiões da iluminação pública. Esses odores do progresso confundiam se com os dos excrementos dos cavalos e burros que circulavam pelas ruas e com mil outros aromas espalhados pelo ar. Quem deixasse a cidade, ao voltar, imediatamente percebia aquele seu odor característico. Não se podia dizer se era bom ou ruim, apenas que estava lá e quem chegava logo o percebia. Havia também aromas mais específicos, que se sentiam o tempo todo, andando pela rua ou mesmo dentro de casa. Lembro do cheiro do café torrado na hora, que se podia sentir em qualquer lugar, das castanhas assadas vendidas nas ruas pelos italianos, do mofo que saía das aberturas dos porões e que se percebia quando se caminhava pela calçada. Do querosene das lamparinas que ainda se usavam, dos couros expostos nas lojas da 25 de Março, do bacalhau pendurado na porta de todas as vendas. Do cheiro forte de gás nas proximidades do Gasômetro, no caminho do Brás, que as crianças com bronquite e tosse comprida iam cheirar porque as mães acreditavam que fazia bem. Lembro do cheiro de farmácia, do carvão do ferro de passar roupa que invadia as casas no meio da tarde, do perfume das damas da noite nos jardins. Lembro das calçadas sempre cheias e da multidão que ia e vinha o tempo todo sem parar. Lembro das vozes. Das vozes dos amigos e das vozes das ruas. Da algaravia de línguas misturadas: italiano, espanhol, árabe, alemão, algumas facilmente identificáveis; outras, desconhecidas e indecifráveis. Na cidade daquele tempo naturalmente também se falava português, mas quase sempre com algum acento especial. Havia a fala carregada dos portugueses, e sempre se ouvia em todos os lugares a prosa cantada dos italianos, misturando um pouco da língua da nova terra e muito de sua língua natal. O mesmo acontecia com os espanhóis, que também eram muitos e rivalizavam com os italianos. Havia ainda a língua arrastada que falavam os poucos nativos, comendo erres e esses no final das palavras. No entanto, os paulistanos nascidos aqui pareciam uma minoria prestes a se extinguir; os demais habitantes eram quase todos estrangeiros e recém chegados — como eu, que sempre fui estrangeiro na cidade. Talvez por isso muitas vezes a tenha observado com um olhar de turista, como o de quem está de passagem. Mas me apaixonei por ela desde que a vi, ainda criança, e andei por suas ruas com meu pai.
Neve na manhã de São Paulo, José Roberto Walker
José Roberto Walker
José Roberto Walker é publicitário, formado em História pela Universidade de São Paulo. Atualmente é diretor da TV Cultura. Dirigiu a Cia. Brasileira de Ópera, a Orquestra Filarmônica Vera Cruz e várias edições do Festival de Inverno de Campos do Jordão. Realizou, na área de vídeo e televisão muitos documentários e gravações de espetáculos de música, ópera e dança. No rádio, criou inúmeros programas dedicados à música erudita e à música popular brasileira. Produziu diversos espetáculos de ópera e exposições em espaços públicos em São Paulo. É coautor dos livros Theatro São Pedro: Resistência e Preservação (2000), Café, Ferrovia e a Metrópole (2001), O Presépio Napolitano de São Paulo (2002) e Ferrovia, um Projeto para o Brasil (2005). Neve na Manhã de São Paulo recebeu o Prêmio São Paulo de Literatura em 2017.
O seu último livro Neve na Manhã de São Paulo nasce a partir de sólida pesquisa em documentos que registraram uma época e a cultura num momento de explosão populacional da cidade de São Paulo. Romance histórico e realista que conta a arrebatadora história de amor entre Oswald de Andrade e a normalista Maria de Lourdes Pontes, Miss Cyclone como também era chamada, no pré-modernimo na São Paulo do início do século XX. O romance recria a atmosfera vibrante da cidade da época. Neve na manhã de São Paulo mostra também o quanto o modernismo paulista já fervilhava, culminando na Semana de 22.
Ana Beatriz Demarchi Barel
Ana Beatriz Demarchi Barel é doutora em Letras pela Université Paris III Sorbonne Nouvelle. Realizou Pós-Doutorado em História na Fundação Casa de Rui Barbosa, no IEB-USP e Residência em Pesquisa na Biblioteca Mindlin - USP. Leitora do Governo Francês na Université de Nantes e ATER das Universités d’Amiens e de Toulouse. Estudou História da Arte na Ecole du Musée du Louvre. Professora de Literaturas de Língua Portuguesa e Teoria Literária da Universidade Estadual de Goiás UEG. Membro do GRUPEBRAF – IEA – USP. Autora de Um Romantismo a Oeste: Modelo Francês, Identidade Nacional, organizadora da edição fac-símile da Revista Nitheroy e de Cultura e Poder entre o Império e a República (1822-1930). Desenvolve pesquisas na área de História Literária, Literaturas Brasileira e Comparada. Atualmente, estuda as relações entre relatos de viajantes franceses do século XIX e iconografia.