Claudia Alexandre

Entrevista com Claudia Alexandre

→ Professora do Tramas Culturais: Mulheres do Samba e do Axé

*Imagem: Claudia Alexandre ministrando o Tramas Culturais na Fundação. Fotografia: Daniel Bernadinelli

Confira a entrevista com Claudia Alexandre, que nos conta um pouco sobre sua trajetória profissional, mulheres e o samba.

Claudia Alexandre é mulher negra paulista, mãe, jornalista e radialista. Ministrou o Tramas Culturais “Mulheres do Samba e do Axé – A valorização da presença feminina e de vozes negras na constituição dos sambas como elemento ancestral” aqui na Fundação Ema Klabin.

[ LUIZA LORENZETTI] Como você encontrou seu espaço no jornalismo?

[ CLAUDIA ALEXANDRE] Eu comecei no jornalismo no final da década de 80. Exatamente no mesmo ano em que me formei em Comunicação Social, pela FIAM. O sonho de ser jornalista, apenas por achar que era o que eu queria ser, em pouco tempo me mostrou que não era tão fácil assim. O jornalismo não guardava espaço para uma recém-formada mulher negra. Foi um período muito importante para despertar para minha identidade, tempos de avanço do Movimento Negro, em relação as políticas de ações afirmativas, centenário da abolição e eu com o diploma na mão. Tive a felicidade de ser indicada por um radialista (negro) que estava precisando de uma repórter para o programa dele. Até então, fazer rádio não estava nos planos. Foi quando conheci o apresentador Evaristo Carvalho, que apresentava na época o Programa Rede Nacional do Samba, na Rádio Gazeta AM (São Paulo). Ele passou a ser uma espécie de padrinho, um mestre. Não teve jeito, o programa era especializado em samba, em carnaval. Ali eu aprendi a pautar, entrevistar, editar, escrever sobre o samba e entender que o assunto era muito mais importante do que falar apenas do aspecto musical e da festa. Tive contato com grandes nomes do samba, autoridades públicas, artistas… Foi fundamental para a minha formação profissional e para meu ativismo. Evaristo era respeitado no meio e em pouco tempo eu já comecei a ser reconhecida e comecei a trilhar meu caminho no campo profissional e em grandes veículos de comunicação. Já atuei em rádio, jornal e TV, além de abrir minha empresa de assessoria de comunicação, que já tem 18 anos.

[LL] O que te motivou a iniciar pesquisas em torno da religião e africanidades?

[CA] Tudo começa com a minha vivência. Sou de uma família onde samba, religião, festa e negritude sempre foram motivo de reunião e afetividade. Assim que me formei em jornalismo foi que me deparei com as questões raciais e como as histórias contadas nos tempos de escola e no dia-a-dia, sobre samba e religião, estavam totalmente distantes da realidade que eu vivia com a minha família negra. Tanto as religiões afro-brasileiras, como os espaços dos sambas são importantes para entendermos a própria história do Brasil e como um país estruturado no ideal de branqueamento e na falácia da democracia racial se afundou num caminho cujas desigualdades impedem, até hoje, que mais da metade da sua população viva (sobreviva) com dignidade. Assim, depois de mais de 20 anos trabalhando o jornalismo e o samba, eu entrei para a academia; e pela Ciência da Religião tenho feito pesquisas, na tentativa de provocar novas reflexões sobre como precisamos recontar a história do Brasil, a partir do que nos dizem os sambas e as religiões negras. E cada vez mais vejo como a produção intelectual neste campo é extremamente necessária.

[LL] Quais foram as influências para a sua trajetória profissional?

[CA] Sem dúvida, primeiramente, o jornalista e radialista, Evaristo de Carvalho, que foi para mim um grande exemplo de dedicação e militância pela causa do samba e das escolas de samba, me mostrando o quanto o jornalismo engajado pode mudar (incomodar) pensamentos discriminatórios sobre o povo negro. Quanto a acontecimentos, o que me marca é que depois de ter tido uma educação escolar tão racista, como muitos e muitas da minha geração, é eu ter participado da cobertura do caderno especial do Centenário da Abolição no Brasil. Por indicação do próprio Evaristo fui contratada pelo Jornal Gazeta Esportiva, o único grande veículo na época, a ter um caderno especial sobre a data. Fiz parte da equipe e a partir dali fui efetivada. Mas, por incrível que pareça, foi quando realmente pude dizer que entendi a realidade racial do Brasil, simplesmente me reconheci mulher negra, com 22 anos de idade, o que passou a fazer uma grande diferença nos enfrentamentos que tive que travar para garantir meu espaço no mercado profissional.

Tanto as religiões afro-brasileiras, como os espaços dos sambas são importantes para entendermos a própria história do Brasil e como um país estruturado no ideal de branqueamento e na falácia da democracia racial se afundou num caminho cujas desigualdades impedem, até hoje, que mais da metade da sua população viva (sobreviva) com dignidade

Claudia Alexandre.

[LL] Há uma necessidade de conhecermos muitos aspectos da história do nosso país que não aprendemos na escola. Principalmente no que diz respeito às mulheres. Como ter acesso a esse conhecimento e como passá-lo para frente?

[CA] Em relação às questões de gênero, é muito importante saber que para entender a luta das mulheres, temos que saber de qual mulher é que estamos falando.  Não podemos mais ignorar que existe uma diversidade de questões que devem ser avaliadas. A primeira delas é que precisamos pensar em mulheres, mulheres brancas, mulheres negras e as mulheres diversas. As pautas ao mesmo tempo que se assemelham também se distanciam. Em relação às mulheres negras há avanços, mas o terreno ainda é muito desigual. O melhor acesso é pela escuta de quem pode falar o que sente. A melhor forma de passar para frente é reconhecer que os agentes da transformação devem ocupar os espaços que lhe foram negados e principalmente descolonizar a educação e impedir a banalização das políticas de ações afirmativas.

[LL] Qual foi o papel do samba para construção da identidade das mulheres negras e qual o papel delas para o samba?

[CA] As mulheres negras tiveram um papel fundamental na constituição do samba enquanto um fato social completo. Quando mulheres negras escravizadas são trazidas para o Brasil, o que chega com elas é uma riqueza de saberes e de uma forma de viver que garante as redes de solidariedade e de sociabilidade, que foram fundamentais para a formação dos valores civilizatórios afro-brasileiros. Elas eram desde África donas de propriedades agrícolas, comerciantes, rainhas e guardiãs de tradições e divindades. Com o passar do tempo, e pela forma que o sistema escravista absorveu a mão de obra do elemento feminino, estas conseguiram romper o sistema e acolher o grupo em suas casas, que no início eram espaços de ajuntamentos, cultos e de festas. O samba e as religiões encontraram possibilidades de desenvolvimento, transformação e resistência a partir da atitude de grandes mulheres. Das yalorixás como mãe Senhora (Opó Afonjá), mãe Menininha do Gantois, Tia Ciata de Oxum, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara às tias Baianas. Há uma memória ancestral que se mantém na história de vida destas mulheres e que mantém viva a própria história do samba, que foi perseguido, proibido, violentado, mas que resiste. Apesar de discriminadas e até marginalizadas da história. Eu sempre digo que ao conhecer os aspectos históricos do samba e da importância da mulher nesta trajetória de mais de 100 anos, a gente deixa de pedir “não deixe o samba morrer”, para entender por que o samba não vai morrer nunca.

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Estudante de jornalismo e estagiária de comunicação na Fundação Ema Klabin. Atualmente participa do programa de formação “Museu aberto: empreendimentos criativos” no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo).

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