Geovana

Entrevista com Geovana

*Imagem: Geovana em seu show na Casa-museu Ema Klabin no dia 07/04. Fotografia: Luiza Lorenzetti

Geovana esteve presente no Tardes Musicais da Fundação Ema Klabin no dia 7 de abril e nos concedeu esta entrevista, na qual fala um pouco sobre sua trajetória no samba e os desafios que enfrentou por ser uma mulher negra em um meio predominantemente masculino.

Geovana, nascida em 1948 no Rio de Janeiro, é cantora e compositora de samba. O ano de 1971 foi de grande importância para sua carreira, pois apresentou “Pisa Nesse Chão com Força”, samba de sua autoria, na Bienal do Samba de São Paulo.

[Luiza Lorenzetti] Como o samba entrou na sua vida?

[Geovana] Com a macumba, pô! [risos] Eu não sei bem explicar como o samba entrou, mas sei que ele tá aqui até hoje. Em casa, meu padrasto tinha aquele negócio de macumba, eu já fazia uma música diferente e fui pra rua continuar fazendo samba. Eu não me lembro muito bem, mas acho que o samba nasceu comigo mesmo, já estava dentro de mim, não sei como chegou, não. Acho que ele tá aí né, a data que ele chegou eu não sei. Sei que ele está dentro de mim.

[LL] Quem foram inspirações para o seu trabalho?

[G] Rapaz, eu vou te contar uma coisa sabe, eram aquelas velhas batucadas que eu ouvia. Tinha um samba ali atrás da Central do Brasil. Eu fugia de casa, aí tinha uma nega véia que, para me proteger, me levava no samba com ela. Eu via umas nega cantar, tocar, juntar uns sambas, umas macumbas… E eu estava sempre com elas ali e eu me inspirava. Quando elas começavam a batucar, eu também batucava e ficava olhando. Eu me inspirei realmente nas grandes batucadas, era lá que eu conhecia algumas pessoas.

A primeira pessoa que eu conheci no samba foi um cara chamado Geraldo Babão, mas eu nem sabia de que escola ele era, para onde ele ia… E só depois de muitos e muitos anos, que eu já era adulta, que eu vim conhecer.

Mas teve outras pessoas que me inspiraram. O Bucy Moreira, que era neto da tia Ciata, me dava a maior cobertura, ele falava “Vou te mostrar como é que eu sambo”. De tanto ele falar de tia Ciata eu fiz até esse samba [canta] e o Bucy ficava contente com isso, então tinha essa proteção.

Eu já passei por esses preconceitos sim, fora o racismo ainda tinha o preconceito de ser mulher e o caramba. A minha voz eles atacaram também, mas eu sempre acreditei que minha voz era o máximo e estou com ela até hoje.

Geovana.

[LL] Você encontrou dificuldades por ser mulher em um meio predominantemente masculino?

[G] O negócio é o seguinte: proteção eu tinha, mas eu acho que algumas pessoas me levavam na vaselina “É uma boa compositora” e tal mas não me levavam a sério, porque não pagavam. Era conversa fiada, mas é o seguinte: eu tive muitas pessoas que me deram força.

[LL] E como mulher e negra no meio artístico? Você percebeu avanços positivos com relação ao machismo e racismo?

[G] Não, porque o negro é machista, homem é muito machista. Não vejo perspectiva. Eu tive colegas, que graças a Deus não eram amigos, eram colegas, que falavam o seguinte “Eu casaria com uma mulher de duzentos quilos, mas com negra de passarela eu não casaria nunca”, “Não caso com negra porque é macumbeira”. O machismo sai do marido para o filho e assim vai. Fora a violência que as mulheres negras sofrem dos maridos. Garoto novo matando, matando, matando mulher que não acaba mais. Qualquer coisa eles metem a mão, matam. Eu já passei por esses preconceitos sim, fora o racismo, ainda tinha o preconceito de ser mulher e o caramba. A minha voz eles atacaram também, mas eu sempre acreditei que minha voz era o máximo e estou com ela até hoje [risos].

[LL] Quais diferenças você percebe na música brasileira de quando você começou até os dias de hoje?

[G] Olha, quando eu comecei na música eu notei que ninguém ganhava dinheiro. Era uma ditadura danada, ninguém tinha dinheiro. Muitos compositores ficaram duros no meio da estrada, morreram de fome, perderam mulher. Porque o samba não dava nada e eles também não tinham emprego. Quem tinha alguma coisa dividia, dividia o café, dividia um pão…

Hoje com a tecnologia, com a informação, os shows são remunerados, essa molecada não faz nada de graça, tem que pagar mesmo. Nós fomos muito infantis no passado. Desses compositores negros que ganharam dinheiro com samba foi Martinho da Vila. Paulinho da Viola já tinha ganho. Poucos deles ganharam dinheiro com música. Jair não ganhou dinheiro com música, Nelson Cavaquinho, Cartola, Candeia, nenhum ganhou dinheiro com música. Candeia ganhou algum dinheiro porque era polícia né. Eu nunca fiquei só na música, porque tinha que arranjar dinheiro para comer.

Confira a apresentação da Geovana no Tardes Musicais do dia 07/04:

Luiza Lorenzetti

Estudante de jornalismo e estagiária de comunicação na Fundação Ema Klabin. Atualmente participa do programa de formação “Museu aberto: empreendimentos criativos” no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo).

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