Fanta Konatê

Entrevista com Fanta Konatê

*Imagem: Fanta Konatê em seu show na Casa-museu Ema Klabin no dia 21/04. Fotografia: Lívia Silva

No dia 21 de abril de 2018, Fanta se apresentou no Tardes Musicais da Casa-museu Ema Klabin com as composições de seu novo disco. Em entrevista concedida à casa-museu, Fanta contou um pouco sobre sua trajetória e seus projetos.

Fanta Konatê é cantora, bailarina, compositora da Guiné Conacri e filha do Mestre percussionista Famoudú Konatê, pertencente a uma das famílias mais representativas da arte tradicional Malinkê da região do Hamaná, onde surgiram o tambor Djembê e a música dos Griôs.

[Luiza Lorenzetti] Como se deu sua formação musical e a relação desta com seu pai e sua família? Neste sentido, poderia falar um pouco sobre a sua família em relação à arte tradicional Malinké atualmente?

[Fanta Konatê] Meu pai foi escolhido, entre diversos percussionistas em festivais na época da Independência (aprox. 1958), para ser um solista no Balé Nacional, o “Les Ballets Africains de la Republique de Guinée”, tornando-se um dos maiores músicos do país e da África, conhecendo muito da cultura tradicional e também participando da adaptação, criação dos ritmos, arranjos e peças do Balé nesses 26 anos que ele trabalhou lá.

Após sair do Balé ele foi morar na Alemanha e fez diversas turnês pelo mundo, realizando shows e oficinas, mas todo ano ele volta para a Guiné e pesquisa mais a música tradicional, pois é lá que está a fonte.

Eu aprendi a minha cultura na tradição, na aldeia e com toda a minha família, desde que nasci.  Na adolescência comecei a participar dos Balés da capital da Guiné, Conacri, e fiz a minha formação em 4 balés muito respeitados e, sempre que posso, vou à aldeia aprender mais sobre minha cultura e arte.

A maioria da minha família   é composta por artistas: os homens são percussionistas e as mulheres são percussionistas e bailarinas

[LL] A dança e a música se desenvolveram paralelamente em sua formação?  Qual a relação entre dança e música na Guiné Conacri e outras manifestações artísticas?

[FK] A dança e a música para nós são inseparáveis, são uma coisa só e quando você aprende a dança, você também está aprendendo a música.  Todos cantam, todos dançam e isso tudo se aprende na família e também nos balés.

Há também a atuação teatral que é aprendida, pois todos os balés encenam histórias e temas clássicos que pertencem à cultura da Guiné como a história de Sundjata Keita, (o verdadeiro Rei Leão), “A órfã”, “Meia Noite”, Silo, e vários outros.

Mesmo nas aldeias, os jovens também se organizam e fazem teatro, e há ritmos e danças específicas para esses momentos.  A construção de instrumentos, os figurinos, as montagens cênicas, todas essas artes se relacionam diretamente e evoluem, puxadas pela música e dança da Guiné, pois ficaram mundialmente reconhecidos e muitas pessoas do mundo inteiro vão estudar e conhecer a cultura no meu país, há mais de 30 anos.

Tudo o que eu canto é baseado na educação, na cultura tradicional, nos valores ancestrais da minha família, pois uma pessoa que tem essa educação tem o conhecimento de como se comportar no mundo.

Fanta Konatê.

[LL] Como é a cultura tradicional das aldeias e os balés modernos da cidade? Como foi sua inserção na dança contemporânea?

[FK] O balé se inspira nas culturas tradicionais, nos melhores aspectos de cada etnia, costumes e celebrações, e modifica, acelera, estiliza os ritmos e danças originais.  Há também criações puras dos balés, como os grandes arranjos de percussão e cenas que reproduzem o cotidiano das aldeias, a caça, as máscaras, os grupos de bailarinos.

As aldeias possuem identidade própria, ritmos e danças mais característicos, sejam da mesma etnia ou outra etnia, cada aldeia tem uma identidade, mas a cultura não fica parada, está sempre em movimento.

Os balés inovaram e às vezes trabalham com instrumentos específicos, dando mais destaque às percussões como por exemplo o “Percussions de Guinée”, grupo que foi muito importante e que depois lançou as mulheres tocando e dançando ao mesmo tempo, “Dunun Dance”, depois veio o Cirque Baobab, que juntou com técnicas de circo os malabarismos, acrobacias, ao som de nossos tambores.  No balé a criatividade é constante.

[LL] De que maneira o seu trabalho busca relação entre a cultura tradicional e contemporânea?

[FK] Tudo o que eu canto é baseado na educação, na cultura tradicional, nos valores ancestrais da minha família, pois uma pessoa que tem essa educação tem o conhecimento de como se comportar no mundo, o respeito entre as pessoas, a ética, a importância de se desenvolver na atividade que faz todos os dias e tudo isso é aplicado aos dias de hoje, nas grandes cidades. Eu componho as músicas e já vou vendo qual é o ritmo que encaixa, que tem a ver com o que está sendo dito, com a melodia e aí usamos tambores ancestrais junto com guitarra, violão, saxofone, percussão eletrônica e efeitos.  Utilizamos muitas projeções multimídia para também contextualizar os temas e o que está sendo dito nas canções.

[LL] Sobre sua atuação em diversos projetos sociais, pode nos contar um pouco sobre o Instituto África Viva?

[FK] Na África, junto com a Biomúsica Sem Fronteiras, de Luis Kinugawa, eu trabalhei com refugiados e meninos de rua em projetos humanitários com música e dança e quis continuar essas atividades no Brasil, quando cheguei no final de 2002.  O Instituto foi fundado por nós dois para realizar ações Artísticas, Educacionais/Culturais e Sociais/Humanitárias no Brasil e na Guiné, onde começamos a construir uma sede em 2008 e estamos terminando só agora para promover o desenvolvimento sustentável na Guiné.  Na área Cultural/Educacional realizamos centenas de cursos de dança, percussão, culinária, palestras sobre a cultura da Guiné, capacitação de professores no ensino sobre a África.   Através da Biomúsica Sem Fronteiras, no Brasil e nos EUA, trabalhamos com crianças, deficientes, universidades, moradores de rua, empresas, refugiados, casas de cultura, multiplicando a cultura africana em ações que promovem a integração dos participantes, valorizam a autoestima e o espírito de equipe nos grupos de trabalho.  A arte é uma importante ferramenta de inclusão social e a alegria da África é uma grande aliada para melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas.

Luiza Lorenzetti

Estudante de jornalismo e estagiária de comunicação na Fundação Ema Klabin. Atualmente participa do programa de formação “Museu aberto: empreendimentos criativos” no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo).