Entrevista com John McNaughton
→ Admirador e visitante assíduo da Casa Museu Ema Klabin
*Imagem: John McNaughton e seu neto Rodrigo no jardim da Casa Museu Ema Klabin.
O olhar do outro é capaz de revelar aspectos e características subjetivas e sensíveis sobre um determinado objeto e a Casa Museu Ema Klabin teve o prazer de realizar uma conversa com o admirador e visitante da instituição, John McNaughton. Nessa entrevista, John fala de suas percepções da casa museu, trazendo reflexões sobre a instituição cultural em relação a outros espaços de cultura no Brasil e no mundo. Com muita sensibilidade, trouxe memórias de sua infância e sua perspectiva sobre a Casa Museu Ema Klabin em relação ao cenário museal brasileiro e internacional. Confira a entrevista.
[Cristina Aguilera] Gostaria que se apresentasse em breves palavras.
[John McNaughton] Sou advogado, formado pela PUC/SP, casado há 43 anos com D. Cely, também advogada, uma linda brasileira de São Paulo que conheci em Veneza, em 1976, e com quem casei em Nova Iorque, em 1977. Tenho dois filhos adultos, Charles e Ana Luiza, e três netos, filhos da Ana Luiza, as gêmeas Stella e Helena de 11 anos, e Rodrigo de 8 anos. Meu filho Charles é advogado tributarista e professor de direito, pós-doutorando na USP; a minha filha Ana Luiza é dona de casa e faz “cookies” artísticos por meio de sua empresa “Joy Biscoitos”.
[CA] Como e quando conheceu a Casa Museu Ema Klabin? Já retornou ao museu outras vezes?
[JM] Eu conheci a Fundação Casa Museu no ano passado pela primeira vez e voltei inúmeras vezes desde então, inclusive para adquirir os diversos livros vendidos na secretaria sobre a coleção, a colecionadora D. Ema, marcadores de livros, etc.
[CA] Qual motivo o levou a visitar o museu?
[JM] Inicialmente, eu havia acompanhado um cliente estrangeiro a uma fábrica de celulose da Klabin em Telêmaco Borba, Paraná, alguns anos atrás. Almoçamos com a Diretoria num bairro residencial chamado Harmonia, muito charmoso, com ares quase europeus, que foi construído muitos anos atrás para abrigar os engenheiros e diretores que trabalhavam nas instalações industriais. Eu fiquei encantado com o bom gosto do local (no meio de uma floresta de pinus e eucaliptos) e vi algumas fotos no restaurante sobre a família Klabin e D. Ema. Isso ficou na minha memória esses anos todos. Um dia, caminhando na Avenida Europa, vi a Fundação (que fica na frente do MUBE) com a foto da D. Ema (que eu tinha visto anos atrás em Telêmaco Borba)! Era uma terça-feira, e, portanto, estava fechado, mas o porteiro me informou que poderia fazer uma visita a partir da 4ª feira à tarde. Acabei voltando umas duas semanas depois e aquela vista literalmente mudou a minha vida de lá para cá.
[CA] Qual foi sua primeira impressão sobre a Casa Museu Ema Klabin? Suas expectativas foram correspondidas?
[JM] Eu não tinha nenhuma expectativa quando fiz a minha primeira visita, pois não sabia nada sobre a coleção, nem do conceito de casa museu, ou ainda de que o local era a antiga residência da colecionadora. Na minha primeira visita, eu consegui pegar um tour com um grupo pequeno e fui acompanhando com a nossa guia (cujo nome não guardei) olhando as peças enquanto ela falava. Aos poucos, senti que estava vendo algo inédito na minha vida cultural até então, e fiquei atônito com os quadros e as peças dispostas daquele jeito, vendo ora telas de pintores impressionistas, um Picasso, um Chagall, pintores renascentistas, um Frans Post (!), relógios estilo Luis XV, prataria, esculturas e talhas de igrejas barrocas, vasos etruscos e gregos, peças chinesas da dinastia Tang, um Renoir, um Portinari, uma Tarsila, a Virgem com o Menino Jesus do século XVI! O que é isso, perguntei? Onde estou? Não é possível que eu esteja vendo tudo isso aqui em pleno Jardim Europa a quinze minutos de pé da minha casa! Os ambientes da casa são mantidos conforme eram na época da D. Ema, explicou a nossa guia, e aos poucos, eu, e suponho os outros visitantes, começamos a sentir a presença, juro por deus, dela, nos ambientes da casa, inclusive no seu quarto de dormir. Era como se eu estivesse reencontrando essa pessoa amável e doce através da disposição dos seus móveis, os detalhes da mesa de jantar, com os talheres postos para um jantar naquela noite, o luxo de uma época não tão passada, de uma São Paulo cosmopolita e sofisticada. Eu confesso que saí para o jardim em estado de choque e voltei para casa, eufórico. É mais ou menos isso que eu me lembro daquela primeira visita.
Acabei voltando umas duas semanas depois {para a Casa Museu Ema Klabin} e aquela vista literalmente mudou a minha vida de lá para cá.
John McNaughton.
[CA] Qual obra chamou mais atenção?
[JM] Todas as obras são excepcionais. Mas o que me chamou a atenção, embora não saiba articular precisamente, era a própria coleção como se fosse um objeto, e não um conjunto de objetos. Eu pensei comigo mesmo, danadinha essa Ema Klabin. Ela é a artista que fez de sua coleção a sua obra de arte! Essa sensação foi tão forte que achei como se eu estivesse experimentando uma espécie de epifania. Todavia, pensando nos itens do conjunto, a riqueza visual e opulência das peças expostas, uma ao lado da outra, o amontoada de fortes impressões, a sensação da matriarca (o toque feminino prevalecendo sobre tudo), eu me senti como se fosse uma criança numa loja de brinquedos, querendo cobiçar tudo e levar para casa e guardar todos os brinquedos de baixo de minha cama, para passar a noite brincando enquanto os adultos dormiam. A D. Ema era para mim, nesse momento, uma espécie de Papai Noel que deixou tudo isso para mim! Eu até fiquei constrangido pensando no que os outros visitantes iriam pensar de mim se lessem meus pensamentos infantis!
[CA] Qual sua opinião sobre casas museus?
[JM] Hoje, eu considero o conceito de casa museu muito interessante. Todavia, a coleção da D. Ema, no meu entendimento, é única, porque transcende as teorias e tentativas de descrever em palavras uma sensação de ficar mudo e extasiado na presença de uma força emocional e quase religiosa que a sua obra cria na gente. Nesse sentido, a obra dela está mais no patamar de um templo grego da Diana, de uma capela dedicada à Madona e filho, ou um templo Shinto japonês que convida à contemplação em silêncio na presença de um espírito ou divindade a ser venerado.
[CA] O que pensa sobre a mecenas Ema Klabin?
[JM] Pois bem. Ela para mim, é um modelo de ser seguido, imitado, copiado, seja pelas jovens, (eu penso nas minhas netas), seja pelos pais, pois o gesto, digamos assim, de deixar para a posteridade, para o Brasil e o mundo, uma coleção sem igual, é o maior legado a que uma pessoa possa aspirar. Foi a D. Ema que, pelo seu exemplo, demonstrou o que era possível fazer, no espaço curto de tempo de uma vida, no sentido de repassar para o futuro, uma visão panorâmica do nosso passado numa linguagem visual. Sabendo, pela leitura dos livros sobre a coleção e a vida dela, ela é uma inspiração para nós, e mais importante, para futuras gerações, daquilo que possa ser feito, com bom senso, bom gosto e persistência para a sociedade e a educação do nosso olhar estético.
[CA] Aqui no Brasil já frequentou outros museus? E no exterior?
[JM] No Brasil, conheço a maioria dos museus de São Paulo, mas não todos. Eu gosto muito do barroco brasileiro (não só do Rio e Minas) e temos muitos exemplos maravilhosos dessa época da nossa história não só em São Paulo, Santos e Parati, mas também no sul e em Goiás. No exterior, conheço muitos museus na Europa, China, Japão e os Estados Unidos, todavia não conheço ainda a Hermitage em São Petersburgo ou o Museu Prado na Espanha. Em Paris, tem centenas de museus que ainda não conheço e por isso o fato de ter a Fundação dentro de nosso alcance a torna valiosa por esta razão também.
[CA] Acredita que a Casa Museu Ema Klabin deva atrair muitos turistas?
[JM] As atrações da coleção oferecem uma experiência ímpar para nós, no sentido de poder ver em pouco tempo, uma gama extraordinária de estilos, peças, épocas, num espaço só. Há muito a aprender também sobre os diferentes tipos de objetos de arte, por exemplo, mobiliário, prataria, sem falar na biblioteca de obras raras!
[CA]Você já adquiriu ou leu alguma publicação da Fundação?
[JM] Todas! O Livro sobre a coleção é uma obra prima. O livro do Prof. Paulo de Freitas Costa “Sinfonia de Objetos” é o meu livro de cabeceira e abriu para mim mundos e áreas até então desconhecidas, não só com relação às artes e colecionadores, mas também à ciência dos museus e os processos de catalogação e documentação de coleções, que para a maioria das pessoas como eu, é desconhecido. Há também o livro de receitas da D. Ema pelo qual aprendemos a fazer diversos pratos deliciosos!
[CA]Você acha importante que os museus ofereçam diferentes atividades culturais? Você tem acompanhado a programação online?
[JM] Agora na época de pandemia, enquanto o museu está fechado ao público, visito muito o site da Casa Museu e descobri muito sobre as atividades culturais promovidas no passado. No futuro, quando voltar a normalidade, pretendo frequentar todas! Toda semana recebo a Newsletter, que devoro como tudo que recebo da fundação.
[CA] Nos EUA, tal como na Europa, o número de museus é significativamente maior do que em nosso país, do mesmo modo que sua diversidade. Qual a importância dos museus na formação cultural de um país?
[JM] Os museus evidentemente são importantes espaços para o público visitar e educar não só o olho, mas também aprender sobre a história das épocas expostas. É importante ter contato físico com obras de arte. E os museus são de várias espécies, como museus científicos, tecnológicos, históricos, etc. Eu lembro, em Nova York quando criança, ver os dinossauros no Museu de História Natural com minha mãe, e ficar sem dormir dias e dias pensando no tamanho daqueles monstros! Todavia, o Brasil tem muitos museus importantes, para quem quiser descobri-los, e é importante incluir as visitações nos currículos escolares como rotinas normais ao longo do ano. Em Ouro Preto, temos um museu ao ar livre, mas há também o Inhotim e seu Jardim Botânico, que é um museu de nível internacional para quem gosta de arte contemporânea. Há também no Rio a Casa Museu da Eva Klabin, que eu não conheço ainda. Dizem que é um mini- British Museum! Pretendo voltar a ver as coleções no acervo do MASP, no Museu Lasar Segall, Casa Brasileira, etc., mas repito, não tem o charme ou intensidade da coleção. Aliás, nesse sentido, para mim, a nossa coleção está no nível mundial de par com a Frick Collection de New York, as diversas casas museus de Paris, a da Peggy Guggenheim em Veneza, etc. Nós somos muito afortunados e para mim, uma estátua da D. Ema deverá ser erguida num local propício para ser vista e venerada pelo seu público admirador! Lanço a ideia!
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Cristina Aguilera
Formada em jornalismo e especializada em Mídias em Educação pela Universidade de São Paulo. Atua há mais de quinze anos na área de Comunicação. É assessora de imprensa da Casa-Museu Ema Klabin e diretora da Mídia Brasil Comunicação Integrada.