Raphael Escobar

#CasaMuseuConversas
Entrevista com Raphael Escobar

*Imagem: divulgação

Formado em artes visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e pós-graduando em Estudos Brasileiros: sociedade, educação e cultura pela Fundação Escola de Sociologia e Política, o artista visual Raphael Escobar usa a arte como ferramenta para discutir a invisibilidade.

Desde 2009 atua com educação não formal em contextos de vulnerabilidade social, em espaços como Fundação CASA, Cracolândia e albergues.

Em maio de 2019, Raphael Escobar, acompanhado de Cícero “Índio” Badaross, participou da palestra “A Arte do Resto” na Casa Museu Ema Klabin. Confira abaixo a entrevista concedida pelo artista à jornalista Cristina Aguilera, assessora de imprensa da Casa Museu:

[Cristina Aguilera] Temas recorrentes em sua arte são a invisibilidade e a desigualdade social. Como e quando esses temas viraram inspiração para o seu processo criativo?

[Raphael Escobar] Na verdade acredito que o pensamento deva ser ao contrário: entender por que a arte virou para mim uma ferramenta de discussão sobre invisibilidade. Eu venho do grafite pelo grafite e comecei a dar oficinas em contextos de vulnerabilidade social, e estes meus empregos me proporcionaram a chance de pagar o financiamento na faculdade de arte. E quando, na faculdade, eu comecei a me deparar com trabalhos de arte contemporânea, comecei a entender que poderia levar essas discussões que me atravessavam no emprego e na vida de forma que estourassem bolhas. Não entendo o contexto que vivo e trabalho como inspiração, mas sim como um contexto que necessita de contra-narrativas para combater o discurso hegemônico que visa sempre desumanizar certos indivíduos com objetivos escusos. Todos eles, em seu ponto final, visam enriquecimento de poucas pessoas, assim, acredito que são indissociáveis desde o começo da minha prática enquanto artista essas discussões para o trabalho.

[CA] Desde 2007, você atua com educação não formal em contextos de vulnerabilidade social, em  locais  como Fundação CASA, Cracolândia e albergues. O que essa experiência trouxe para seu trabalho?

[RE] Acredito que trouxe consciência de classe, e entendimento sobre a contra-narrativa que para mim é tão crucial para a pesquisa e para a vida.

[CA] Você acha que alguns temas,  como a vulnerabilidade social, a identidade racial e/ou de gênero  são ainda considerados tabu nas artes no Brasil?

[RE] Acredito que o sistema da arte reflete muito a agenda política brasileira e há alguns anos essas lutas têm ficado mais evidentes dentro de várias áreas da cultura, e as artes visuais não são diferentes. Não acho que sejam considerados tabus, só pautas de pouco interesse dentro de um sistema hegemônico, lógico que existem exceções, mas a regra é que existem temas que não são de interesse do circuito mesmo. Junto com a mudança da agenda política brasileira, o circuito vem mudando e dando espaço maior a tais pautas. Essa mudança agora é esperar para ver se será estrutural de fato, abrindo para cada vez mais artistas e trabalhos que foram construídos fora deste circuito, e não só a construção de novos lugares de poder que elegem certas figuras como protagonistas de uma história coletiva. Mas, de qualquer jeito, as mudanças que já aconteceram e as entradas que estão acontecendo são passos difíceis de se voltar atrás.

A rua foi minha formação, é meu ambiente de formação de base, e neste momento está sendo também meu suporte de ação.

Raphael Escobar.

[CA] Quais são suas principais influências?

[RE] Theaster Gates, Mônica Nador (JAMAC) e Rubens Mano trouxeram pra mim o entendimento da arte como uma ferramenta para discussões e experiências para o lado de fora do museu; Zeca Pagodinho e Racionais MC’s, a potência da coletivização, Planet Hemp e Peter Tosh, o discurso antiproibicionista sobre as drogas como aspecto político de classe e raça, e para finalizar, Hélio Oiticica e Cildo Meireles, porque pra mim é impossível não citá-los.

[CA] No Arte-Papo da Casa Museu Ema Klabin, em maio de 2019, você falou sobre “A Arte do Resto”, juntamente com o artista Índio Badaross. Fale sobre esse projeto.

[RE] Fui convidado para falar do coletivo Cupins das Artes, que era um grupo de marcenaria formado por moradores de rua da região do Ceasa; lá falamos de nossas estratégias de venda, como nos organizamos financeiramente  e também como é nosso processo criativo. O Cupins das Artes parte da possibilidade de aprendizado horizontal, em que todos os envolvidos são um pouco alunos e um pouco professores. Parte também da potência da escuta, realizada através das reuniões quinzenais, como base para pensar e repensar sua prática e empatia. O projeto tem como pilar a ideia de que o fazer e a prática sejam, não só a construção de móveis, mas de novos mundos possíveis de se inventar. A construção horizontal pautada na economia solidária se propõe a uma cooperação mútua, em oposição ao modo competitivo capitalista. A marcenaria é entendida como um campo de pensamento estético, mas também de mudança simbólica enquanto promoção de auto-estima e criação de um capital simbólico coletivo. Isso faz com que o Cupins das Artes exista enquanto um caminho, para o qual a arte é a porta de entrada. Mas a saída oferece percursos antes não imaginados ou traçados por um grupo que é excluído da sociedade. 

[CA] Como você analisa projetos como o Arte-papo da Casa Museu Ema Klabin?

[RE] São espaços importantes para viabilizar projetos pouco conhecidos, em que podemos dialogar com pessoas de diversos contextos e criar diversas possibilidades de elaboração sobre o trabalho e sobre como pensamos nossa prática. Espaços de diálogo e troca têm essa potência.

[CA] Qual foi o impacto da pandemia no seu trabalho e nos projetos sociais de que participa?

[RE] A pandemia mudou toda a minha relação com os projetos, todos os nossos projetos focaram em como fortalecer a cracolândia em itens básicos como comida e máscara, já que o Estado se ausentou ali e fechou o único serviço que atendia a população de rua. Quem mora na rua não tem a chance de ficar isolado, então como podemos tentar reduzir os danos ou os contágios? É essa a pergunta que orienta todas as nossas ações no território hoje em dia. Não tivemos quarentena, e não a teremos, pois temos que fortalecer o corre na rua. Por sua vez, isso influenciou até na minha prática artística, em que tenho voltado a pensar muito o espaço urbano como a base das proposições. A rua foi minha formação, é meu ambiente de formação de base, e neste momento está sendo também meu suporte de ação.

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Cristina Aguilera

Formada em jornalismo e especializada em Mídias em Educação pela Universidade de São Paulo. Atua há mais de quinze anos na área de Comunicação. É assessora de imprensa da Casa-Museu Ema Klabin e diretora da Mídia Brasil Comunicação Integrada.