Oluwa-Seyi Salles

Entrevista com Oluwa-Seyi Salles

→ Professora do Tramas Culturais “Negritude e Literatura brasileira: da visão etnográfica ao ubuntu”

*Imagem: “Festa de Iamassê, mãe de Xangô”, Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia, Carybé, 1980, São Paulo. (Acervo Fundação Ema Klabin)

Oluwa-Seyi Salles Bento, 25, é graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (2016) e professora de língua portuguesa no Cursinho Popular Florestan Fernandes. Atualmente, cursa mestrado (bolsista CAPES) na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa também pela Universidade de São Paulo.

Oluwa está ministrando o Tramas Culturais “Negritude e Literatura brasileira: da visão etnográfica ao ubuntu” aqui na casa-museu e nos concedeu esta entrevista.

[LUIZA LORENZETTI] Ao fazer letras você já pensava nas questões de visibilidade negra na literatura?

[OLUWA-SEYI SALLES] Quando eu resolvi fazer letras eu nunca tinha pensado nessas questões e que isso pudesse atravessar minha vida profissional, acadêmica ou alguma coisa do gênero. Quando eu entrei na Letras eu queria ser tradutora, então eu entrei querendo fazer inglês/português. Meu sonho era trabalhar na editora Rocco, porque eu sempre li muito Harry Potter. Esse era meu sonho inicial. Depois que a literatura mais como potência foi aparecendo na minha vida, até então era língua mesmo que eu procurava.

[LL] O que você percebeu a respeito de como os personagens negros eram retratados?

[OSS] Antes de perceber como eles eram retratados eu percebi uma ausência. Quando a gente estuda literatura a gente vê que muitos dos personagens são homens, brancos, heterossexuais e uma ascendência europeia. Aos poucos esses personagens foram começando a aparecer, ainda muito fantasmagóricos, muito pontualmente e quando eles começaram a surgir eu comecei a notar que tinham alguns problemas nessas construções, eles não eram considerados personagens tão bons quanto os personagens brancos e isso foi começando a me inquietar um pouco e eu comecei a correr atrás disso.

[LL] Sobre construção de personagem, qual você admira?

[OSS] Eu gosto bastante da construção do Machado de Assis, ainda que não tenha muitos personagens centrais negros na literatura dele. Ainda assim, mesmo esses que são coadjuvantes, ele coloca como pedra angular na obra. Tem um personagem que é um mordomo na obra Iaiá e sempre que ele para e descreve essa personagem você percebe que existe uma vontade em retratar ele enquanto positivo e não como o diferente, o estranho que não se encaixa. Ele é muito importante na obra ainda que ele seja “só um mordomo” entre muitas aspas.

Quando você se vê ao lado do oprimido, você tende a construir ele de uma forma mais próxima a você e obviamente de uma forma mais positiva.

Oluwa-Seyi Salles.

[LL] Na graduação você tinha acesso a todo esse material de pesquisa?

[OSS] De uns tempos para cá, acho que desde 2010, as literaturas africanas de língua portuguesa são eletivas. Elas não são obrigatórias, mas em algum momento do curso você tem que fazer alguma delas. De Angola, de Moçambique, de Cabo Verde e as temáticas conto, romance e poesia. E eu fiz todas durante a graduação e fiz também algumas disciplinas que chamam estudos comparados de língua portuguesa, que geralmente costumam ter literatura afro-brasileira na grade e foi aí que eu tive mais contato e se tornou meu tema de vida.

[LL] O preconceito racial e de gênero na academia ainda é frequente?

[OSS] Ele sempre existe, mas é muito disfarçado, sempre nas pequenas coisas. Às vezes alguma piadinha de um professor, mas é sempre muito sutil. Você tem que estar sempre muito ligado para notar essas coisas ou elas podem passar muito batido.

[LL] A respeito do Cursinho Popular Florestan Fernandes, como é o seu trabalho lá?

[OSS] Eu dou aula de linguagens e códigos no cursinho desde o começo do ano e eu sempre tento levar essas questões para os meus alunos também. Eu sei que geralmente o currículo de um cursinho, principalmente de um cursinho popular, é muito apertado. A gente tem um ano para dar conta de tudo, coisa que às vezes passou batido ou que não foi tão detido durante o ensino médio. Sempre que a gente consegue a gente encaixa um pouquinho essas reflexões para não passar batido nessa formação.

[LL] Você está no mestrado, qual está sendo a sua pesquisa?

[OSS] No meu mestrado eu estudo a representação de personagens relacionados ao candomblé na obra do Jorge Amado e da Conceição Evaristo. E aí eu comparo como que cada um deles constrói. O Jorge Amado como um homem branco no começo do século XX e a Conceição Evaristo agora, como uma escritora negra no século XXI, que está sempre por dentro dessas questões e percebendo o quanto é importante colocar as mulheres negras na obra dela de uma forma construtiva e positiva. Então eu coloco em contraste como que cada um deles constrói.

Eu não deixo de lado o fato do Jorge Amado ter sido quem primeiro colocou essas personagens relacionadas ao candomblé na literatura, mas ele também não consegue se livrar cem por cento dessa perspectiva de homem branco sobretudo sobre as mulheres que ele relaciona aos orixás.

[LL] E aqui na casa-museu, como vem sendo seu trabalho com o Tramas Culturais? 

[OSS] No Tramas Culturais eu estou fazendo uma linha cronológica, eu comecei falando de teoria mesmo, de como essa representação é feita, do que passa pela cabeça –ainda que seja impossível saber- mas o que pode passar pela cabeça desses escritores quando eles constroem personagens, o que eles podem ter em mente. Na próxima aula a gente vai conversar sobre essa representação negativa. Vou passar pela Helena Morley, por Mario de Andrade com Macunaíma, O Cortiço do Aluísio de Azevedo e as personagens femininas dele que são bem pesadas nesse sentido. Na nossa próxima aula eu vou me deter mais sobre as personagens positivas, para pensarmos um pouco nessa literatura afro-brasileira, na Ana Maria Gonçalves, na Conceição Evaristo e ver como a mudança de perspectiva muda completamente essa questão. Quando você se vê ao lado do oprimido, você tende a construir ele de uma forma mais próxima a você e obviamente de uma forma mais positiva. E na última aula eu vou falar sobre o meu tema de pesquisa que é essas personagens relacionadas ao candomblé.

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Luiza Lorenzetti

Estudante de jornalismo e estagiária de comunicação na Fundação Ema Klabin. Atualmente participa do programa de formação “Museu aberto: empreendimentos criativos” no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo).