*Imagem: Oficina Construindo Tipos Móveis, Narrativas e Encadernações. Foto: Inspiração 6/ Arquivo Casa Museu Ema Klabin
Confira texto de Rafael Peppe e vídeo com oficina para o programa Férias na casa museu, do Educativo da casa museu
Esse texto é decorrente da visita “Construindo tipos móveis, narrativas e encadernações”, proposto pela equipe educativa, dentro da programação da exposição A palavra impressa, 1492-1671.
A coleção de livros de Ema Klabin conta com 340 exemplares considerados raros.
O destaque da visita foi o recorte pelos 20 livros expostos, que apresentam diferentes ilustrações de cenários e personagens produzidos por diferentes técnicas de gravuras.
Para começar essa caminhada virtual, observe as imagens a seguir:
*Imagens: Livro de Horas, Horas da Santa Virgem Maria com calendário, Flandres (Bruges ou Gante), 1490. Livro de Horas, uso de Roma, Heures à l’usage de Rome. Paris: Gillet Hardouin, 1509. Coleção Ema Klabin
O que há de semelhante e diferente entre estes livros?
Observe seus textos e suas imagens e imagine de que maneira foram produzidas.
Ambos são “Livros de Horas”, possuem esse nome pois são compilados de ciclos de orações, para o dia, semana, ano… Para que uma pessoa leiga, isto é, que não pertence ao clero, possa manter uma rotina de orações similar às dos mosteiros e conventos. Além de auxiliar na prática devocional, estes exemplares também eram usados como amuletos e não raro, para alfabetização.
O “Livro de Horas” da esquerda é um manuscrito, ou seja, todo o seu texto foi escrito à mão. Compare-o com o da direita, que é um exemplar impresso, perceba como os caracteres são similares, isto não é apenas uma “sensação”, pois havia a tendência, nos primeiros livros impressos, de simular os gestos das mãos, ou seja, replicar as tipografias feitas à mão.
Imagine quanto tempo levava para que livros como estes fossem produzidos.
Quanto será que custava sua produção e seu preço de venda?
Será que era de fácil acesso? Quantas pessoas poderiam ter acesso a um livro deste?
E como se imprimia um livro? Certamente por meio de processos diferentes dos atuais…você conhece o termo “tipos móveis”?
Assim como o papel, a tecnologia de impressão de textos e imagens foi criada na China. O papel foi por muito tempo importado desta região pelos europeus que os compravam dos árabes. Mas voltando às gravuras: a China utilizava tipos móveis produzidos em madeira entalhada para suas impressões, cerca de 400 anos antes do nascimento de Gutenberg, o alemão que ficou famoso por desenvolver os tipos móveis fabricados em metal fundido e que também utilizava um tipo de tinta de maior densidade que melhor aderia ao metal.
O metal tem durabilidade maior que a madeira, possibilitando um número superior de impressões, por consequência, menores preços e, portanto, aumentando a acessibilidade aos livros.
Mas afinal, o que são “tipos móveis”? Como funcionam?
Seu funcionamento é similar a carimbos. Uma imagem interessante para “tipos móveis” é uma máquina de escrever, em que cada letra ou acento é um carimbo separado. Agora imagine alguém organizando estes carimbos, lado a lado, em uma placa, considerando o espaço entre as palavras, entre os parágrafos e deixando espaço para futuras ilustrações. Estes “carimbos” organizados receberão uma camada uniforme de tinta, sobre a qual será pressionado o papel, criando desta forma uma impressão.
Agora, volte às imagens e observe com maior atenção as ilustrações de ambos os livros. Observe os contornos, as cores, os temas.
Os dois exemplares possuem ilustrações pintadas à mão. No entanto, as figuras do livro produzido por tipos móveis, primeiramente foram impressas com a técnica da xilogravura; observe como há figuras em preto em branco juntamente com as coloridas.
Observe as ilustrações do livro à seguir:
Esta edição reúne seis comédias escritas por Públio Terêncio Afro, um dramaturgo que viveu em Roma, mas que nasceu em Cartago, região da atual Tunísia, no séc II a.C.. Terêncio chegou a Roma como escravizado, mas obteve sua libertação posteriormente. Suas obras foram encenadas ao longo dos anos de 170 e 160 a.C. e, quando retomadas no fim da Idade Média, a influência de seus escritos atravessaram o Renascimento. Terêncio foi leitura obrigatória aos estudantes da época, chegando a ser referencial até os dias de Moliére.
As matrizes das xilogravuras que compõem este livro seguem uma lógica semelhante aos dos tipos móveis: observe como as mesmas imagens se repetem em páginas diferentes, pois as matrizes foram reutilizadas e recombinadas, apresentando os cenários e personagens que participam da história de maneiras variadas. Reutilizar matrizes de gravuras era uma prática comum nas editoras, pois era uma maneira de baratear os custos de produção, assim como, não adicionar as pinturas feitas à mão, mantendo as ilustrações em preto e branco.
Você conhece algo muito famoso no Brasil que usa a técnica da xilogravura?
As famosas ilustrações da literatura de cordel se utilizam desta técnica. Ou seja, este tipo de gravura é bastante contemporâneo e ainda é utilizado por muitos artistas, como por exemplo, o J. Borges e Gilvan Samico. No entanto, a técnica é muito antiga, pois supostamente surgiu na China do séc. II d. C.
A xilogravura utiliza a madeira como suporte de suas matrizes, com ferramentas que possibilitam a gravação neste material, como a goiva, o artista faz entalhes na madeira, transformando sulcos e fendas em imagens.
Como se faz em esculturas, retira-se material da matriz, ou seja, a parte que foi “desenhada” estará mais funda. Ddesta forma, quando se aplica tinta, apenas a parte “mais alta” será impressa. Em outras palavras, a parte da gravação, a parte que está marcada na madeira, permanece sem tinta, logo, ficará com a cor da superfície que receberá a impressão (papel, tecido, pergaminho).
Agora observe estas xilogravuras:
*Imagens: Capitão General Minamoto Yoritomo e a Princesa Tamaori, Japão, séc XIX, 1844, Utagawa Kunisada, xilogravura em cores sobre papel. Cena do Personagem Kasugaya Tokijiro, Japao, sec. XIX, 1850, Utagawa Kunisada, xilogravura em cores. Fotos de Patricia de Filippi/ Coleção Ema Klabin
Estas também usam a madeira como suporte para as gravações. Comparando com as anteriores, quais as principais diferenças entre elas?
Imagine como estas foram impressas, como foram coloridas?
Estas ilustrações são narrativas, contam histórias? Se sim, o que contam? Qual seria a história narrada? De que época e país são?
Estas impressões foram produzidas no Japão, durante o período Edo, que na perspectiva ocidental corresponde aos séc. XVII – XIX. Cada cor era colocada sobre uma matriz (uma placa de madeira gravada) diferente, impressa umas sobre as outras, para criar a colorização e os degradês. Sua produção era dividida entre os artistas que faziam a ilustração, os que gravavam a madeira e os impressores.
Neste período, havia “casas de publicação” que editavam e distribuíam tanto gravuras quanto livros. As gravuras eram muito populares, não somente porque frequentemente retratavam artistas famosos de teatro, mas também porque muitos livros, que eram facilmente encontrados para locação, continham ilustrações e seus temas eram bastante diversificados. Havia livros com histórias infantis, livros de história e geografia, filosofia, textos de teatro, sátiras até mesmo livros com temáticas adultas.
De volta ao Ocidente, com o passar dos anos outras técnicas começaram a ser utilizadas para imprimir as ilustrações dos livros, observe essas imagens:
*Imagens: Estudos de Cabeça de Saskia e outros, sec XVII, 1636, Holanda, Rembrandt van Rijn, água-forte. Cristo e a Samaritana, séc. XVII,1658, Holanda, Rembrandt van Rijn, água-forte e ponta seca. Foto de Patricia de Filippi/ Coleção Ema Klabin
Você conhece o termo “água-forte”? O que ele sugere?
Compare estas imagens com as anteriores, especialmente com as xilogravuras do livro de “Comédias” do Terêncio: quais são as principais diferenças que você observa?
Repare na espessura das linhas, na relação entre a luz e a sombra, no volume das figuras. O que mudou?
“Água-forte” é uma das possíveis técnicas utilizadas nas gravuras que utilizam metais como suporte em suas matrizes. É comum o uso de cobre polido, porém, outros metais, como o latão, também podem ser utilizados. Esta placa de metal recebe uma camada uniforme de verniz, este deve ser resistente ao ácido em que será mergulhado.
Metal, verniz, ácido…parece ser muito complicado. De fato, é um processo com muitas etapas, mas fácil de compreender: imagine uma pequena placa de cobre, uma de suas superfícies está completamente coberta por uma fina camada de verniz. Então, com o auxílio de algumas ferramentas você começa a traçar sobre o verniz, que apesar de uma leve resistência, sai facilmente do cobre. Você está “desprotegendo” algumas áreas do cobre, tirando sua proteção de verniz.
Quando mergulhada sob o ácido, a parte que está descoberta, isto é, a parte “desenhada” do verniz, estará exposta ao ácido, que irá corroer o cobre, gerando sulcos profundos conforme o tempo de exposição ao material corrosivo.
Após este processo a placa é limpa, tanto do ácido quanto do verniz. E recebe a tinta, que será “empurrada” para dentro dos sulcos e frestas criadas pelo ácido no cobre. Isso significa que, na gravura em metal, a parte que será impressa é a parte que foi gravada, o contrário do que acontece com a xilogravura.
Rembrandt, o autor das imagens acima, foi um artista holandês do séc XVII que, apesar de ter produzido muitas pinturas, ficou especialmente conhecido por suas gravuras. Ele também é conhecido pelos retratos que fazia. Observe os estudos que fez de sua esposa, Saskia van Uylenburgh,. A imagem da esquerda neste exemplo é possível perceber a fluidez de seu traço. Compare-as com as gravuras das imagens anteriores. Como o verniz oferece menor resistência, é possível criar traços mais finos e soltos. O artista tinha o costume de traçar diretamente sobre o verniz, até mesmo esboços e estudos.
Mas seus temas não se restringiam aos retratos. Rembrandt fez variados registros da vida cotidiana, a chamada “pintura de gênero”, como também temas bíblicos, como por exemplo “Cristo e a Samaritana”, a imagem à direita.
Outro costume de Rembrandt era o de combinar a técnica da água forte com outras, como por exemplo, a “ponta-seca”, na qual o artista grava diretamente o cobre com o uso de uma ferramenta, frequentemente, a que dá nome a técnica: “ponta-seca”. Era comum também, que, após algumas impressões, modificasse as matrizes, ou que mudasse a quantidade de tinta sobre a placa, criando assim uma grande variedade de resultados em suas gravuras.
Agora que conhecemos um pouco desse universo das gravuras, deixo o convite: que tal experimentar fazer suas próprias gravuras? É isso mesmo que você leu: que tal fazer suas próprias gravuras, com materiais fáceis de encontrar em casa ou em papelarias convencionais?
Usando embalagens de isopor para criar um efeito similar ao da xilogravura:
Materiais:
-embalagens de isopor, de preferência aqueles lisos, normalmente usados em embalagens de frios ou fast food;
-“ferramentas” pontiagudas, como por exemplo: palitos de dente e de churrasco, agulhas, pregos – funciona também com lápis sem ponta ou a parte de trás de pincéis;
-tinta, que pode ser guache, acrílica, pvc, tinta de tecido ou tinta à óleo;
-rolinho de espuma para pintura – pode ser alguma esponja macia ou pincéis;
-um godê, isso é, um lugar para colocar tinta, que pode ser um pedaço grande de papelão;
-papel de baixa gramatura, que pode ser um sulfite comum;
-uma colher grande ou um apagador de lousa limpo.
Experimentando:
Gravar no isopor:
Marque o isopor usando alguma ferramenta com ponta, como lápis, caneta, a parte de trás de um pincel, pregos e parafusos, agulhas ou instrumentos para fazer unha… o legal é experimentar, pois os resultados variam conforme o objeto. Cada um deixa uma marca diferente no isopor.
Você pode criar desenhos, figurativos ou abstratos, brincar com formas geométricas e linhas ou escrever mas, lembre-se, na impressão tudo será espelhado. Se, por exemplo, você quiser escrever algo no isopor você deve escrever ao contrário. A ideia é fazer o traço do desenho bem fundo, bem marcado, para que a tinta fique apenas na superfície do isopor, na área não gravada.
Preparando para imprimir – passando tinta:
Com o rolinho de pintura (ou pincéis) espalhe uma fina e uniforme camada de tinta sobre toda a superfície que deseja imprimir do isopor. Evite deixar excessos de tinta, pois isso pode criar manchas e poças indesejáveis no momento da impressão. Uma outra dica é: você pode usar mais de uma cor e criar efeitos.
Para imprimir:
Cubra seu isopor com o papel escolhido e tenha certeza de que o papel está posicionado corretamente sobre sua gravação.
Usando a parte de trás de uma colher ou um apagador de lousa, pressione o papel contra o isopor (e a tinta). Cuide-se para pressionar toda a área de maneira uniforme. Se, por exemplo, pressionar mais de um lado que outro, uma parte de sua impressão ficará mais clara (menos nítida ou manchada) do que outra.
Depois, retire com cuidado o papel de cima do isopor e pronto!!
Agora é só deixar sua gravura secar !!
Usando embalagens longa vida para criar um efeito similar ao da gravura em metal:
Materiais:
-embalagens longa vida, pode ser de leite, leite condensado, molho de tomate – não se esqueça de as lavar antes de usar;
-“ferramentas” pontiagudas, como pregos, agulhas, estilete, utensílios para fazer unha ou ponteiras de drimel;
-tinta, pode ser guache, acrílica, pvc, tinta de tecido ou tinta à óleo;
-pincéis;
-pedaços pequenos de papelão, papel cartão ou papelão cinza;
-um godê, isso é, um lugar para colocar tinta, pode ser um pedaço grande de papelão;
-papel de alta gramatura, pode ser um canson 120g ou 180g;
-uma colher grande, um apagador de lousa limpo ou um rolo para abrir massa;
-água, para facilitar, coloque-a em um borrifador.
Experimentando:
Gravar na embalagem longa vida:
Procure em sua casa por embalagens longa vida e após lavá-las bem, você pode cortá-las do tamanho e do formato que desejar.
Para esta gravura você precisará de objetos pontiagudos e resistentes, experimente usar por exemplo, pregos e estiletes – este pode ser usado tanto do lado com o fio, como invertido.
Mas é bom avisar: cuidado nunca é demais! Fique atento ao usar esses materiais, nunca risque com estes objetos em direção ao seu corpo e não apoie suas mãos e dedos próximos a eles enquanto estiver os usando para gravar – o longa vida tem uma resistência maior do que o isopor, que é macio, estes objetos podem escorregar das mãos.
Assim como na gravura de isopor, teste os materiais, eles criam efeitos e texturas variadas. Porém, diferente do isopor, na gravura com longa vida, a tinta ficará nos sulcos e fendas e não na superfície, ou seja, ficará onde você gravou. Então não crie linhas e texturas muito superficiais, para que elas não “sumam” no momento da impressão.
Preparando para imprimir – passando tinta:
Depois da gravação pronta, espalhe a tinta com o pincel sobre a embalagem, cobrindo bem toda a gravação, isto é, a área que você desenhou. Use um pedaço de papelão, ou papel cartão para tirar a tinta da superfície da embalagem e para empurrá-la para dentro das linhas e texturas que criou.
Lembre-se, todas as manchas de tinta aparecerão na impressão e, a embalagem longa vida tem a tendência de “criar texturas”, mesmo que você limpe sua superfície; se quiser criar uma área completamente branca (ou da cor do papel que estiver utilizando) prefira limpar a tinta usando um cotonete.
Fique atento: algumas tintas, como a acrílica, secam rápido, portanto, a menos que esteja usando uma tinta de secagem lenta, como a tinta a óleo, tente não demorar neste processo.
Para imprimir:
A impressão desta gravura é um pouco diferente: você precisará de um papel com gramatura maior, um canson de 180g, por exemplo, pois você precisa umedecer o papel, portanto o papel deve ser resistente.
Depois do processo de “limpar” a superfície de sua matriz, use um borrifador de água para molhar o papel que será usado para a impressão. Não precisa molhar muito, mas é importante que o papel fique bem úmido.
Coloque-o sobre sua matriz, lembrando que a área úmida deve cobrir toda a área gravada. Pressione o papel contra a embalagem, você pode usar a parte de trás de uma colher ou um rolo para abrir massas. Mas, lembre-se de pressionar de maneira uniforme, porém, desta vez, você terá que usar um pouco de força, o contrário do isopor que não exige força.
Depois deste processo, retire o papel com cuidado e coloque-o para secar.
Pronto!! Sua gravura está pronta!
Espero que tenham se divertido, lembre-se de não se preocupar com os resultados, mas de se divertir com a experimentação, se não gostar de como ficou a impressão, faça ajustes e novos testes.
Até a próxima!!
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