Animais que visitam e habitam a Casa-Museu Ema Klabin

*Imagem: Mamangabas (Bombus sp) que habitavam o jardim do Museu e ganharam uma nova casa.

Animais que visitam e habitam a Casa-Museu Ema Klabin

Burle Marx, quando projetou o jardim para casa de Ema Klabin, provavelmente não imaginou que o local se tornaria um museu e que a fauna e a flora, que hoje o habitam e visitam, teriam tamanha relevância para o respirar da cidade. Ainda assim, intuiu: “Os jardins devem ser projetados com a intenção de educar, devem ensinar a conviver, fazer amigos e a despertar para o prazer da vida”. 

Neste momento em que a visitação da casa está suspensa para as pessoas, a vida no jardim segue para os tão importantes seres que fazem parte da biodiversidade vegetal e animal de São Paulo que, muitas vezes, são invisíveis na cidade.

Lago com carpas da Casa-museu Ema Klabin

Com a pandemia houve um processo de desaceleração na vida cotidiana de muita gente. Carros na garagem, trabalho remoto, saídas de casa apenas para comprar o essencial, ruas mais vazias do que de costume. No entanto, enquanto esse parece ser o cenário atual da vida de grande parte das pessoas, a vida não humana segue a todo vapor. Afinal, vida é movimento, ciclo que segue.

A natureza está presente na cidade de muitas formas. Canteiros, jardins, praças, parques de bairro, parques metropolitanos e áreas naturais protegidas compõem ecossistemas que fazem parte da nossa paisagem paulistana e abrigam diversas espécies vegetais e animais.

Em escala maior, na Região Metropolitana de São Paulo temos um grande cinturão verde circundando a mancha urbana composto por áreas formadas por grandes remanescentes de florestas da Mata Atlântica, a exemplo do Parque Estadual da Cantareira ao norte da cidade e de matas localizadas no extremo sul do município (onde temos ainda áreas rurais!) e na Serra do Mar, além das diversas áreas voltadas à produção agrícola, com as quais abastecemos nossas geladeiras com verduras e legumes. Este cinturão é considerado uma Reserva da Biosfera pela UNESCO e fornece importantes serviços ecossistêmicos para a metrópole paulista, como a regulação climática e a produção de água.

Ainda que pareçam um pouco distantes de nós, esses grandes ecossistemas e sua biodiversidade têm tudo a ver com o meio urbano, não apenas por proverem serviços como os que foram mencionados, mas também por seu maior ou menor grau de conectividade com parques e outras áreas verdes. Essa conectividade entre áreas verdes é muito importante para a circulação de animais (e, com eles, também espécies de plantas). Muito embora nossas áreas verdes urbanas sejam em grande parte dependentes de um manejo humano, as aves, por exemplo, usam essas áreas como trampolins para circularem pela cidade e, assim, carregam sementes de um lado para outro, ajudando a manter a biodiversidade urbana.

Em uma cidade ideal, as áreas naturais deveriam ser conectadas por corredores verdes. Parques seriam conectados a áreas menores, como praças e jardins por meio de arborização das vias e de parques lineares. Em São Paulo ainda estamos longe dessa realidade em boa parte da cidade, mas, em alguns bairros, como o Jardim Europa, essa conexão é favorecida pela arborização e pela proximidade com parques maiores.

 

Flagrante da visita de um Sagui-de-tufo-branco, Callithrix jacchus.

Os jardins devem ser projetados com a intenção de educar, devem ensinar a conviver, fazer amigos e a despertar para o prazer da vida.

Burle Marx.

Nos ecossistemas de menor escala, como praças e jardins, a vida pulsa! As pequenas áreas verdes, como o lindo jardim da Casa-Museu Ema Klabin, contribuem para: a provisão de serviços ecossistêmicos urbanos, como o aumento da drenagem da água da chuva, que favorece a diminuição de alagamentos, enxurradas e enchentes; a purificação do ar, pois as folhas das plantas filtram os poluentes da atmosfera; a ampliação da área de sombra, que proporciona regulação do microclima – ar fresco! –, lazer e contemplação e habitat para a fauna.

Pica-paus, bem-te-vis, sabiás, maritacas, garças, gaviões, além de outros animais como anfíbios e morcegos, são alguns exemplos dos animais vertebrados que visitam e habitam o jardim do Museu. Seres que compõem e ajudam a manter a integridade de ecossistemas naturais constituídos em plena selva de pedra urbana.

Pica-pau de cabeça amarela

Pica-pau de cabeça amarela fêmea, Celeus Flavescens


Bem-te-vi

Bem-te-vi pousado em frente ao lago do museu


Graça-branca

Garça-branca visitando o jardim do museu.


Gavião-carijó

Gavião-carijó, Rupornis magnirostris.

 

As aves encantam pela sua beleza e são os vertebrados mais comuns nas cidades. Em apenas alguns instantes de atenção e observação podemos ver sua movimentação pelos ares e ouvir seus cantos. Muitos não sabem, mas essas idas e vindas em pleno voo não se resumem à sua alimentação ou reprodução. As aves são importantes dispersoras de sementes, controlam espécies de pragas e insetos e também são polinizadoras de plantas, ajudando em sua reprodução. Por exemplo, bem-te-vis e pica-paus, como os das imagens acima, se alimentam de formigas e cupins, ajudando a controlar a população desses insetos. As garças brancas, visitantes ocasionais do jardim do Museu, encantam com sua beleza e ajudam a controlar a população de peixes do lago que existe no local. Os gaviões e as aves de rapina, em geral, são aliados no controle de roedores na cidade.

À noite, entre os visitantes do jardim aparecem grilos, sapos, rãs e morcegos. Estes últimos podem assustar os desavisados, mas são considerados alguns dos animais mais importantes para a polinização de plantas e dispersão de sementes.

Além dos animais nativos que ocorrem na cidade de São Paulo, o jardim da Casa-Museu também conta com a presença de animais exóticos, como as carpas que habitam o lago e os saguis que dão o ar de sua graça com frequência. Os saguis são primatas nativos do Brasil, mas não de São Paulo. Foram trazidos para cá e tiveram muito sucesso em transformar a cidade em seu habitat, devido a sua fácil reprodução. Embora sejam graciosos e simpáticos, não devem ser tocados, pois podem transmitir doenças; e, para evitar seu aumento populacional excessivo, não devem ser alimentados.

Carpas no lado

Carpas no lago do Museu

 

Ao aguçarmos ainda mais o olhar, encontramos ainda outros animais menores pelo jardim. Dentre eles, as vespas e mamangabas, insetos muito importantes para o equilíbrio ecológico. As mamangabas, ou mamangavas, são abelhas com ferrão, cujo nome pode remeter a diversas espécies diferentes. Sua ferroada pode ser bem dolorosa, mas ela só ataca se se sentir ameaçada.São insetos muito importantes para a polinização de diversas espécies de plantas, inclusive culturas agrícolas. Apesar de sua importância, as mamangabas estão com suas populações em declínio devido às mudanças no clima, a perda de habitat e o uso de agrotóxicos. Por isso, a existência de áreas verdes como o jardim da Casa-Museu é fundamental para garantir habitat para esses insetos. Assim, precisamos entender sua importância e procurar manter a integridade de seus ninhos também, cuidado que o Museu teve ao precisar deslocar uma colmeia de mamangabas ali existente.

Mamangabas

Mamangabas (Bombus sp) que habitavam o jardim do Museu e ganharam uma nova casa.

 

Vespas

Ninhos de vespas do gênero Polybia sp. que habitam o jardim do Museu.

 

Na micro escala, diversos outros pequenos e invisíveis seres também contribuem para um equilíbrio ecológico. Formigas, tatuzinhos-de-jardim e minhocas ajudam a manter o equilíbrio do solo, sua fertilização e drenagem, fungos e bactérias promovem a decomposição de matéria orgânica. Esses são apenas alguns poucos exemplos da riqueza de vida em um jardim. Cada ser tem a sua função e espaço na natureza.

Vivemos hoje em um cenário de intensa degradação ambiental, crescem os índices de perda de vegetação e de espécies da biodiversidade – dados do Índice Planeta Vivo apontam que houve uma queda de mais de 60% na abundância média de mais de 16 mil populações de vertebrados entre 1970 e 2014, o que significa que o número de indivíduos de muitas espécies diminuiu muito também. Valorizar e respeitar as diversas formas de vida que habitam o jardim do Museu e as áreas verdes da cidade é uma forma de ajudar a manter a integridade da biodiversidade urbana. 

Que com esse momento de desaceleração da vida humana possamos aguçar mais nosso olhar para a vida em geral, reconhecendo os ecossistemas que nos circundam e que nos propiciam respiro, contemplação, lazer, momentos prazerosos e também saúde, ar puro, sombra, clima adequado, drenagem da água e tantos outros benefícios. E que esse olhar atento nos desperte para o respeito a todas as formas de vida, seu lugar e papel no mundo, nos estimulando a ver a vida como uma grande teia interligada.

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Amanda Carbone

É bióloga, mestre e doutora em Ciências Ambientais pela Faculdade de Saúde Pública da USP e consultora do Instituto SIADES, atuando com conservação da natureza, serviços ecossistêmicos e processos participativos e educativos voltados à sustentabilidade.

Ana Cristina Moutela Costa

É Articuladora Cultural graduada em Direito, cursou Gestão Cultural EAD pelo MINC; matéria de graduação em Museologia no MAE-USP; Jardinagem e Paisagismo na Prefeitura Municipal de SP e Licenciamento e Direto Ambiental na SOS Mata Atlântica. Coordena e desenvolve publicações, programação de cursos e palestras na Fundação Cultural Ema Klabin. Tem experiência com grupos para vivências em museus, sítios arqueológicos e Unidades de Conservação no Brasil, preparou treinamento para grupos de atividades socioambientais.

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