Jenny Segall

Jenny Segall | Narrativas da coleção

→ Ecos do Modernismo – Mulheres na Coleção Ema Klabin

*Imagem: Jenny Klabin Segall em foto da década de 192. Arquivo Fotográfico Lasar Segall – Ibram-Ministério da Cidadania.

A série de textos “Ecos do Modernismo – Mulheres na Coleção Ema Klabin” traz como enfoque o papel determinante das mulheres para o fomento das artes na cidade de São Paulo.

Ema Klabin, Jenny Klabin Segall, Miná Klabin Warchavchik e Yolanda Penteado, são algumas das mulheres que atuaram como mecenas e articuladoras culturais, ajudando a disseminar os ideais modernistas e fazendo-os reverberar para além da Semana de Arte Moderna de 1922.

A cada semana, você confere um texto sobre uma personagem marcante na história do Modernismo na cidade de São Paulo.

Jenny Klabin Segall (1899 –1967) 

por Cristiane Alves

“Fina, gentil e democrática, amavelmente disfarçada em caráter firme e enérgico. Tudo o que dizia era a pontualidade da verdade e da bondade. Um caráter humano voltado à religião da justiça: ouvindo um fato injusto levantava a cabeça, abria os braços e juntava as mãos desoladas. Era um prazer conversar com Jenny”

Pietro Maria Bardi¹ 

Maurício Klabin estabeleceu-se no Brasil no final do século XIX, vindo da Lituânia e constituiu sua família com Bertha Osband – também imigrante lituana – com quem teve quatro filhos: Miná Klabin (1896), Jenny Klabin (1899), Luíza Klabin (1900) e Emannuel Klabin (1902). Logo Maurício Klabin acolheu o resto da família. Entre eles Hessel Klabin e Fanny Klabin, pais de Ema, Eva e Mina Klabin.

Tanto Jenny Klabin Segall, quanto a irmã Miná Warchavchik e as primas Ema Klabin, Eva Klabin e Mina Klabin eram muito jovens em 1922 e estavam fora do Brasil durante a Semana de Arte Moderna, mas o interesse por arte e cultura sempre fizeram parte da sua rotina de estudos.

Todas passaram por uma formação inicial bastante semelhante: tiveram seus primeiros estudos na Europa – devido às viagens da família – e deram continuidade no Brasil, estudando com professores particulares (no caso das irmãs Eva, Ema e Mina Klabin) e frequentaram o Colégio Kohlmann, na Alameda dos Andradas, em meados de 1904. 

Seja como for, tiveram uma formação em que o esperado para mulheres de sua posição social era uma sólida base humanista e culta o suficiente para o recebimento de convidados e uma boa atuação como anfitriã. Todavia, o destino dado a essa formação e o que cada uma realizou em suas trajetórias foi muito além do que a sociedade esperava para mulheres de sua geração. 

A família de Maurício e Bertha viveu as transformações e o crescimento da cidade de São Paulo e prosperou tanto no ramo de papel, quanto pela aquisição de terrenos na região da Vila Mariana, Cambuci e Ipiranga, além do Brás e Tatuapé. 

Inicialmente se estabeleceram na região dos Campos Elísios, onde Jenny Klabin nasceu, mais precisamente na Rua Guaianazes. Jenny formou-se pianista e era fluente em francês, inglês e alemão. 

Na década de 1920 Jenny – que já havia viajado para a Alemanha e Suíça com a família – retornou à Berlim e reencontrou o pintor Lasar Segall, também judeu de origem Lituana, conhecido da família desde 1913, quando foi professor de desenho de Jenny. Em 1925, casaram-se e, após uma estadia na França e o nascimento dos filhos, se estabeleceram definitivamente no Brasil. 

Na década de 1930, Jenny Klabin fundou a Sociedade Pró-Arte Moderna – SPAM, juntamente com o marido, a irmã Miná, o cunhado Gregori Warchavchik e um grupo de intelectuais, mecenas e artistas. Entre eles, Olívia Guedes Penteado, Anita Malfatti, Camargo Guarnieri, Tarsila do Amaral, John Graz, Antônio Gomide, Menotti del Picchia, Regina Graz, Mario de Andrade, Sérgio Milliet, entre outros. 

O grupo modernista que se formou em torno do SPAM atuou na difusão e fomento de ações para a arte moderna organizando eventos, exposições, publicações, concertos, reuniões literárias, entre outras ações previstas no seu estatuto datado de 1932. A casa do casal Segall na rua Afonso Celso, em São Paulo, foi palco de muitas reuniões e eventos do grupo. Jenny Klabin foi extremamente ativa em todas as ações e era considerada a alma mater do grupo

Entre os eventos promovidos pela SPAM estão o réveillon São Silvestre em Farrapos e O Carnaval na Cidade da Spam, um evento que contou com pintura, música, teatro e literatura. Seu roteiro criava a Spamolândia uma cidade inventada com ruas, edificações, monumentos e até com dinheiro próprio. Lasar Segall concebeu painéis e espaços cenográficos em tom expressionista. O convite, desenhado por Segall com o texto de Mario de Andrade, convidava para o evento e suas atrações em um tom que enfatizava a ideia de cidade imaginária. O Hino do SPAM, composto por Camargo Guarnieri acompanhou o cortejo e o baile foi realizado no Trocadero, antigo Palácio do Trocadero, localizado atrás do Theatro Municipal de São Paulo, na esquina da rua Conselheiro Crispiniano com a praça Ramos de Azevedo. Jenny Klabin era uma exímia figurinista e concebeu os figurinos do grupo; junto com Lasar Segall e outros membros fez toda a produção do evento.

A arquitetura era um dos interesses de Jenny Klabin e, juntamente com Segall, fez muitas intervenções na casa localizada na rua Afonso Celso, projetada por Gregori Warchavchik. Ainda hoje é possível ver, nas imediações da antiga residência – hoje Museu Lasar Segall – uma edificação com características modernistas projetada por Jenny, que também provou ser uma excelente aquarelista: algumas de suas criações podem ser vistas em um livro de histórias infantis que ela ilustrou para os netos, hoje pertencente ao acervo do Museu Lasar Segall.

No período da atuação no SPAM e como pianista, Jenny começou uma atividade como escritora e tradutora onde se destacam suas notórias e reconhecidas traduções de clássicos. Sua tradução de Fausto de Goethe, diretamente do original em alemão, é reconhecida e elogiada devido ao cuidado e seriedade dedicados que resultaram na fidelidade do texto com a asperidade e complexidade da língua alemã, sem perder a fluidez do original. Jenny também traduziu os clássicos de Corneille e Racine utilizando-se de um cuidado e rigor característicos de seu trabalho que muito contribuiu para o teatro brasileiro. Nas palavras do Encenador Márcio Aurélio:

“Poderíamos dizer que se trata de trabalho para muitas vidas. Fica claro que a tradutora, aplicadíssima, revisou sempre com rigorosas e sistemáticas correções as diferentes edições que vieram a público, até a sua morte (1967).
Conhecedora do teatro clássico francês, era sabedora dos entraves e dificuldades técnicas no que diz respeito à oralidade de dificílima execução dos textos originais nos palcos. Para os próprios baluartes do seu teatro, nos apresenta em suas traduções soluções, ou melhor, interpretações lapidares, nos remetendo a uma dimensão da poesia cênica onde os valores humanos são apresentados em alta elaboração.
Desenha-nos, cenicamente, possibilidades de sonoridades dramáticas, ritmos e sons da melhor música.”

Com o falecimento de Lasar Segall, em 1957, a vasta produção do artista, composta por quase 8000 obras, entre pinturas, desenhos, gravuras e esculturas, foi organizada por Jenny, que durante toda a vida do casal dedicou-se a catalogar a trajetória artística de Segall, reunindo material gráfico de exposições, cartazes, convites, documentação, críticas de jornal, entre outros. 

Segundo consta no site do Museu Lasar Segall, “Jenny assume então a missão de consolidar, organizar, conservar, divulgar, expor e estudar a obra de Lasar Segall, abrindo mão da própria atividade literária. ”

Ainda em 1957, uma grande retrospectiva de sua obra foi apresentada na 4ª Bienal de São Paulo e uma exposição itinerou pela Europa e Israel. Nos anos seguintes, o trabalho de Segall esteve em exposição na 29ª Bienal de Veneza, no Museu Nacional de Arte Moderna de Paris e outras instituições museológicas nas principais cidades europeias como Barcelona, Madri, Berlim, Oslo, Amsterdã e outras como Tel Aviv, Jerusalém e Haifa.

Essa estratégia de divulgação concebida e realizada por Jenny visava reinserir a obra de Segall no cenário artístico internacional e resultou em uma produção de conhecimento sobre o artista por meio de material de divulgação e textos críticos escritos por historiadores como Herbert Head e Jean Cassou, além da publicação em inglês e francês do livro Lasar Segall, escrito por Pietro Maria Bardi em 1952.

Jenny Klabin teve uma atuação determinante para adquirir a obra Eternos Caminhantes, de 1919, localizada em uma coleção particular. A obra esteve presente na Mostra Arte Degenerada promovida pelo governo nazista em 1937 com o intuito de propagar uma campanha que desqualificava a arte moderna. Também foi por sua determinação e visão que a obra Floresta Encantada, de 1955, permaneceu no Brasil, negando o pedido de doação feito pelo MoMA de Nova York em 1959.

Segundo o crítico Fernando Oliva, 

“Hoje, se a produção do pintor lituano fixado no Brasil é a que está menos dispersa dentre seus contemporâneos brasileiros -Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi, Ismael Nery-, o mérito é todo dela. Em agosto de 1957, logo após a morte do pintor, Jenny deu início a um trabalho compulsivo de catalogação e autenticação das obras. No fim daquele mesmo ano, esse trabalho já estava praticamente terminado -incluindo uma autenticação de 25 de dezembro.”

A concepção e a consolidação do Museu Lasar Segall também foi realização de Jenny Klabin Segall. Com a assistência de Luís Osaka, reformou o imóvel que foi a residência do casal e construiu espaços de armazenamento das obras em condições técnicas de preservação. Desde o início, em 1963, ainda antes da finalização da reforma, realizou pequenas mostras do artista abertas ao público. O Museu Lasar Segall foi oficialmente aberto em 1967. 

Desde 1966, Jenny Klabin, já tendo dado andamento ao projeto do museu, voltou às atividades literárias e de tradução. A biblioteca que hoje a homenageia com seu nome, instaurada no Museu Lasar Segall, é uma das mais completas nas áreas de cinema, teatro, rádio, televisão, dança, ópera, circo e fotografia, além de abrigar uma completa documentação sobre a vida e obra do pintor e também guarda o mobiliário desenhado pelo artista.

Esse rico acervo, aberto à consulta desde 1975, foi formado a partir da coleção reunida por Jenny Klabin e Lasar Segall e acrescida pelas coleções de críticos como Lopes Gonçalves, Anatol Rosenfeld e Georges Readers, e é uma referência para a atividade de pesquisa que conta com coleções completas e revistas especializadas. 

Jenny Klabin Segall faleceu em 1967, ano da inauguração do Museu e deixou uma vasta e importante obra para usufruto da cidade de São Paulo. 

¹ Matéria de jornal assinada por Pietro Maria Bardi, comentando o falecimento de Jenny Klabin Segall. Agosto.1967. Arquivo da Coleção Ema Klabin.

Colaboração: Lethicia Gomes

Nossos sinceros agradecimentos à senhora Mônica Aliseris, bibliotecária da Biblioteca Jenny Klabin Segall que concedeu um relato oral sobre Jenny Klabin Segall,  Miná Klabin Warchavchik e a criação do Museu Lasar Segall.

Confira a agenda de publicação dos posts da série Ecos do Modernismo:

  1. Introdução + Ema Klabin (14/4)
  2. Jenny Klabin Segal (21/4)
  3. Miná Klabin Warchachik (28/4)
  4. Yolanda Penteado (5/5)


Bibliografia

ALISERIS, Mônica. Relato concedido à equipe da Casa Museu Ema Klabin. fev. 2022. São Paulo. O relato na íntegra encontra-se gravado nos arquivos da Casa Museu Ema Klabin. 

ANNUNAKI 2016, Iconografia KLABIN-LAFER, Genealogia in. Blog, 2018. Disponível em: http://klabin-lafer.blogspot.com/ Acesso em 06 set. 2021

AURELIO, Marcio. A Poesia do Palco. Folha de São Paulo, São Paulo, 2006, 22 de janeiro, Caderno +mais!. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2201200614.htm Acesso em 06 set. 2021

CYTRYNOWICZ, Roney. Mauricio Klabin: Empreendedor e Pioneiro da Indústria Brasileira, da Comunidade Judaica e da Família Klabin-Lafer. 1ª ed. São Paulo, Narrativa Um, 2019.

GALLE, Helmut. GOETHE, Johann Wolfgang von: Fausto. Uma tragédia. Primeira parte. Tradução do original alemão de Jenny Klabin Sgall. Resenha, 2004. Pandemonium Germanicum, 8/2004, p. 229-233. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/pg/article/view/68428/70966 Acesso em 06 set. 2021

MLS – Museu Lasar Segall. Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, Brasilia. Disponível em: http://www.mls.gov.br/lasar-segall/jenny-klabin-segall/   Acesso em 06 set. 2021

MLS – Museu Lasar Segall. Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, Brasilia. Disponível em: http://www.mls.gov.br/biblioteca/ Acesso em 06 set. 2021

OLIVA, Fernando. Museu Lasar Segall refaz trajetória de Jenny Klabin. Folha de São Paulo, São Paulo, 1907, 19 de novembro, Caderno Ilustrada. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq191120.htm Acesso em 06 set. 2021

SOCIEDADE Pró-Arte Moderna (Spam). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao265915/sociedade-pro-arte-moderna-spam Acesso em 06 de set. 2021. Verbete da Enciclopédia.

→ O primeiro texto da série é sobre Ema Klabin e você pode conferir clicando aqui.

+ do blog:

#CasaMuseuConversas – Entrevista com Lucas Bonetti

Como contribuo com a campanha Dez receitas de Ema Klabin?

Yolanda Penteado – Narrativas da Coleção

Cristiane Alves

É Coordenadora do Educativo Ema Klabin, graduada em Educação Artística e pós-graduada em Educação em Museus e em Arte, Crítica e Curadoria. Atua em Educação em Museus há.... bastante tempo! E segue acreditando no potencial da Educação como agente de liberdade. #ELENÃO